Chega de profecias: a juventude negra quer viver!

Rachel Souza
21/06/2021

“O futuro do jovem que entra para o tráfico de drogas é o Triplo C: Cadeia, Cadeira de Rodas ou Cemitério”. Essa é uma espécie de profecia reproduzida por determinadas parcelas da sociedade e alguns agentes do Estado, direcionada aos jovens marginalizados e estigmatizados, vistos como alguém que tem relação com o tráfico de drogas. Sobre isso, tenho duas coisas a dizer: 1- A criminalização do uso e do comércio de drogas destrói de maneira sistemática o futuro de inúmeros jovens e banaliza as suas vidas. 2-  Não é necessário ter relação com o comércio de drogas para que um indivíduo jovem, negro e morador de favelas e periferias, tenha sua vida afetada por tal profecia. 

A partir da nova Lei de Drogas, Lei 11.343/2006, o tempo mínimo da pena por tráfico dessas substâncias aumentou de 3 para 5 anos, além disso, a Lei não prevê critérios objetivos para definir quem é considerado traficante e quem é considerado usuário. Desta forma, cabe ao policial discernir se a quantidade de drogas apreendida pode ser considerada tráfico ou consumo próprio. Decisão que na maioria das vezes é chancelada pelo Poder Judiciário.  Além de deixar uma enorme brecha para a corrupção policial, a aplicação desta Lei produz e reproduz o racismo estrutural na nossa sociedade, levando ao grande encarceramento da população negra. 

Dados do Departamento Penitenciário Nacional mostram que entre 2000 e 2020, a população prisional brasileira cresceu 226%, com um crescimento muito significativo a partir do ano de 2006, ano que a nova lei entrou em vigor e além de prender mais pessoas como traficantes de drogas, o Estado passou a encarcerá-las por mais tempo. Hoje, grande parte das pessoas presas encontram-se nesta situação pelo crime de tráfico de drogas.  Pesquisas apontam que a maior parte dos indivíduos encarcerados por tráfico é réu primário, não foi preso com grande quantidade de drogas e estava desarmado. 

A Lei de Drogas tem um impacto importante no crescimento da população carcerária. Ela se encaixa perfeitamente no objetivo das polícias e do sistema judiciário de produzir números. Com a justificativa da “guerra às drogas” o Estado destrói vidas pretas de muitas formas, como com a profecia “Triplo C”, direcionada à jovens negros periféricos e favelados, que infelizmente segue sendo cumprida. O Brasil prende muito porque o foco está na repressão, no flagrante, na punição, no extermínio dos corpos pretos, que aparecem como maioria ocupando os territórios marginalizados, maioria entre os encarcerados e entre o número de vítimas letais dos agentes do Estado. 

Nem presa, nem morta. A juventude negra quer viver e ter direito a políticas públicas que não a faça o alvo central dessa guerra!

Rachel Souza

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e graduada em Ciências Sociais, pela UFRRJ, No CESeC, trabalha como pesquisadora no projeto de pesquisa “Drogas: Quanto Custa Proibir”.

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