postado em 03/04/2024
Destrinchando a PEC 45
A PEC 45/2023 vai contra a tendência mundial de reversão da guerra às drogas. Recentemente, a Alemanha se juntou a países como Portugal, Uruguai e África do Sul, assim como grande número de estados norte-americanos, que já desistiram da criminalização do consumo de maconha. Será que o Brasil vai continuar insistindo numa política que não reduziu o consumo e a circulação de drogas e serve apenas para aumentar a violência e a corrupção?
Inserir a criminalização das drogas na Constituição Federal pode tornar inconstitucionais as regulamentações da Anvisa e as leis estaduais e municipais sobre distribuição de medicamentos à base de cannabis no SUS. Isso pode colocar em risco o tratamento de 430 mil pacientes no Brasil.
Segundo o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira da Fiocruz 5 milhões de brasileiros fizeram uso de alguma substância ilícita em 2015. Será que é razoável constitucionalizar a criminalização de um comportamento adotado por milhões de cidadãos?
Apenas uma minoria dos usuários desenvolve problemas relacionados ao uso de drogas ao longo da vida. Em muitos casos, pessoas usam drogas por vivenciarem extrema vulnerabilidade, sem acesso a políticas de moradia, renda, trabalho e educação. Criminalizar essa parcela da população acentua a exclusão e dificulta o acesso a tratamento adequado no SUS.
A criminalização do consumo de drogas é uma política racista. Os dados são claros ao mostrar que a lei não é aplicada igualmente para brancos e negros: pesquisa do Ipea/MJSP mostra que, dos réus por crimes de drogas na justiça estadual, 73% são jovens de até 30 anos, 68% cursaram no máximo o ensino fundamental e 68,7% são negros.
Se aprovada, a PEC terá um impacto importante no encarceramento, mas o Senado não fez nenhuma avaliação de como arcar com os custos dessa medida.. Dados do Tesouro Nacional indicam que em 2023 foram gastos R$159,7 bilhões com a justiça criminal (1,58% do PIB) e R$26,4 bilhões com o sistema penitenciário (0,26% do PIB). De onde vai sair o dinheiro?
Numa perspectiva democrática do direito penal, a responsabilidade criminal está relacionada a ofensas praticadas a terceiros. A criminalização do uso de drogas, enquanto autolesão, viola cláusula pétrea da Constituição Brasileira, como o artigo 5º, que assegura direitos e garantias fundamentais.
Alterar a Constituição Federal em desacordo com as evidências científicas disponíveis é um erro com grandes consequências. Pesquisas indicam que as bebidas alcoólicas são as substâncias mais perigosas para o consumo humano e que trazem mais risco à saúde dos usuários e à coletividade. O modelo atual em que álcool e tabaco são permitidos mas outras drogas são criminalizadas, é uma grande hipocrisia que não traz nenhuma proteção à saúde pública ou individual.
Pesquisa Ipea/MJSP mostra que 87% dos processos por drogas na justiça estadual têm origem em flagrantes, com imensa influência dos policiais que atuaram na ocorrência, cujo testemunho é a principal prova em 93% dos inquéritos. A inexistência de um critério objetivo para diferenciar o tráfico do porte para consumo sobrevaloriza a palavra do policial em relação à do acusado, invertendo o sistema acusatório adotado pela Constituição Federal e aumentando os riscos de corrupção policial.
REFERÊNCIAS
1 https://kayamind.com/anuario-da-cannabis-medicinal-no-brasil-2023/
2 https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34614
3 https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr-2023_Special_Points.html
4 https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/12376/1/RI_Perfil_producao_provas.pdf
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